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Foto do escritorAnaLuhSmart

Menino, Menina ou Criança?





As vezes me pego pensando no passado, em como foi minha infância, não lembro de muita coisa, só as que mais me marcaram, tanto positivamente, como brincar com meus amigos e primos, brinquedos preferidos, jogos, filmes e desenhos, como negativamente situações um pouco traumáticas, a sessão de solidão, brincar sozinha e o medo de ser descoberta, taxada como diferente.


Apesar de tudo tive uma boa infância e a medida que fui crescendo fui aprendendo a lidar com algumas situações, pelo menos gosto de pensar que sim, embora se fosse hoje, eu teria atitudes diferentes.


Quando lembro dessas situações, as vezes me vem um sentimento de vergonha, mas logo a maturidade que tenho hoje me reconforta com o pensamento de que fiz o melhor que podia fazer na época.


Sempre fui uma criança mais reservada e mais antissocial, não necessariamente por que eu queria mas por que eu precisava, tinha medo de ser descoberta como diferente. Ser taxada como diferente pelas outras pessoas, principalmente outras crianças podia ser bem problemático, além das exclusões e brincadeiras um tanto insensíveis, a reação da minha família era o que mais me preocupava, eles me acetariam, me apoiariam, ou só me bateriam? eu seria abandonada ou maltratada? ficaria de castigo? Eles ficariam decepcionados?

Na época eu não tinha certeza que era trans, eu me via no feminino, mas todos a minha volta me viam no masculino, eu pensava então que talvez eu estivesse errada já que todos afirmam o tempo todo que eu era um menino e por tanto devia agir como tal, nem sempre dito com palavras mais estava lá sempre de algum jeito.


Mas eu também não sabia o que era ser menino então eu observa os outros também chamados de meninos, para me comporta de maneira semelhante, no entanto muitas das brincadeiras e sentimentos que os impulsionavam a tomar ações para mim eram tão ridículos e sem sentido, já as meninas as pareciam ter um proposito melhor, as brincadeiras pareciam mais adequadas e os sentimentos que as estimulavam pareciam os meus.

No entanto nem tudo era flores no jardins cheio de vida da infância das meninas, havia uma sombra, uma pressão que não me agradava, em ter que se encaixar em um determinado padrão extremamente limitado, de aparência e comportamento, as meninas eu sentia que tinham menos liberdades, para brincar, sair, errar. Os meninos podiam sair mais, serem infantis e cometerem ações bobas.

Acho que esse foi uns dos motivos do meu conformismo, eu já me esforçava de mais para ser quem queriam que eu fosse, e se eu fosse eu, eu teria minha pouca e ilusória liberdade roubada. O tempo foi passando e mais imposições foram coladas a mim, mais expectativas e responsabilidades, o peso de ser a primogênita, de se exemplo para os mais novos, além disso quanto mais eu atendia as expectativas mais expectativas se criavam e mais longe de mim eu ficava.

Eu lembro quanto sacrifício idiota eu fiz pra atender as expectativas de outras pessoas colocadas a mim, quantas bonecas tive que abrir mão, quantos cadernos com personagens femininas só pude pegar na papelaria, com a desculpa de fazer uma piada ou pra pegar um caderno mais masculino, quantas roupas eu só pude imaginar usar, a unhas que não pude pintar, o cabelo que não pude deixar crescer, a orelha que não pude furar, as festas de pijamas que não pude ir, as amizades que tive que me afastar, os sentimentos que tive que fingir não sentir o desejo reprimido guardado e sufocado dentro de mim, e penso, se eu não tivesse tanto medo, se eu tivesse tido a liberdade de ser quem se é, se não tivessem tantos olhares sobre mim, se eles me escutassem mais, ao invés de só me dizer o que eu tinha que ser e fazer, se eu pudesse ser mais que menino ou menina, apenas uma criança, eu teria sido mais feliz?

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